A noite estava escura e apesar da leve brisa que se fazia sentir, a noite era tudo menos leve, pois essa leve brisa trazia consigo murmúrios. Senti a necessidade de sair de casa, mesmo tendo as janelas abertas o ar era abafado e sufocante e talvez fosse o dia chato que tive no escritório, mas o sono não vinha e as palavras do "Humilhados e Ofendidos" de Dostoievski pareciam escritas na língua materna deste e não traduzidas tal como eram supostas estar. Este sentimento tornou-me inquieto e levantando-me do sofá nem mesmo os dois dedos de Scotch antigo com gelo que preparei de seguida me apaziguou. Sentia-me impelido a sair de casa. Tal como disse fazia-se sentir uma brisa leve, mas decidi sair de casa sem casaco - precisava de ar fresco. No meio de um monte surgia a casa em que eu residia agora, construída no século XIX pelo meu tetra-avô, ela sofreu algumas remodelações - no entanto parecia ainda mais velha e frágil quando olhei para trás e sobre ela a lua cheia a iluminava como se meio dia fosse. Mas a brisa trazia consigo murmúrios e à medida que me ia afastando de casa mais convicto estava eu que alguma coisa se passava. Todo este acumular de situações tornou-me paranóico e eu já tinha visto filmes de terror o suficiente para saber que não devia andar assim à noite sozinho e desprotegido neste ambiente, mas talvez fosse o facto de esses mesmos filmes não passarem de, bem - filmes - o meu paranóico cepticismo manteve-me a andar. O ar começou a remexer-se de uma forma mais forte e à minha frente um vulto negro surgiu ao longe, não sabendo se estava a imaginar coisas ou não parei gelado e senti os pêlos na nuca a eriçar-se, afinal de contas a lua cheia iluminava tudo, mas ali estava algo a não ser iluminado, parecia que era um vazio na existência, uma espécie de janela para o espaço ou então um buraco negro que tudo sugava, inclusivamente a luz. Parado e encarando o vulto, senti pela primeira vez real medo, conseguia ouvir os murmúrios que o vento trazia mais nitidamente - "j.... j.... fo.... p...ra.. o S..." - Quando já não aguentava mais o medo voltei-me para trás para fugir e não demorou muito até ouvir o grito. Tal como não demorou muito até tudo ficar negro. Sinto no vazio o horror ainda das últimas palavras que ouvi, e para toda a eternidade as ouvirei: "Jorge Jesus foi para o Sporting!".
Toda a gente já viu o "Senhor dos Anéis" não é verdade? Os mais atentos saberão que o actor Sir Christopher Lee (Saruman na saga) faleceu há poucas semanas e por tudo o que ele representava (posso anunciar que me alongarei mais sobre este tema no próximo episódio do "Metaleiro") decidi ver os filmes clássicos que despoletaram a carreira fantástica desse maravilhoso actor e artista que nos deixou. A primeira paragem é o filme que confirma Sir Christopher Lee como O principal vilão e actor dos filmes de terror mais icónicos da produtora britânica "Hammer Film Productions" - Estou a falar do filme "Drácula" de 1958, foi com este filme e esta performance que o mundo assistiu à afirmação do início de uma lenda, de um senhor, de um artista fantástico.
"Drácula" é um filme inspirado no livro homónimo de Bram Stoker e por essa razão assistimos a um filme de terror clássico, com vampiros clássicos - daqueles que se têm que matar com estacas no coração, não podem andar na luz, têm medo de alho etc., não daqueles vampiros maricas que brilham e ficam deprimidos uma eternidade.
Realizado por Terrence Fisher, um dos pioneiros e mais influentes realizadores de terror de sempre, este é um filme com um andamento fantástico e visto que é feito em 1958 não podemos esperar ficar particularmente assustados em nenhuma cena e a culpa disso é o facto de hoje em dia termos acesso a filmes de terror muito mais pesados e visuais que as pessoas desta altura. Estamos um pouco imunes ao susto, mas se nos deixarmos envolver pelo ambiente criado no filme (acreditem que é muito fácil) e nos deixarmos levar pela fantástica banda sonora que pauta todas as cenas, teremos bons momentos de suspense e inquietação. Acho que é por isso que estes filmes são clássicos, porque conseguem prender-nos e quase deixamos de respirar ao antecipar o que pode acontecer. Terrence Fisher foi também o primeiro realizador a mostrar um estilo gótico com ênfase no sangue e sensualidade, é certo que agora achamos que era moderado, mas na altura era algo muito inovador e arrojado.
As cenas acontecem também de uma forma muito rápida e o facto do filme ter cerca de 1h e 20m de duração ajuda a não ficar chato e aborrecido, ou seja, todas as cenas fazem sentido no filme.
Agora perguntam-me: PP que mais pode este filme mostrar-me sobre vampiros ou filmes terror que eu já não saiba? Podem acreditar que eu, em parte, pensava dessa forma ao começar a ver o filme, mas acho que este consegue ser intemporal por essa mesma razão. Não vão aprender nada de novo, mas vão ser muito surpreendidos pelo desenrolar da história e mini-plotwists muito inventivos e simples que vão surgindo. Este é um filme que tem sempre alguma coisa na manga para nos surpreender.
Peter Cushing e Sir Christopher Lee fazem o papel de protagonista e vilão respectivamente e ambas as performances, muito clássicas dadas o contexto do cinema na altura, são excelentes - ambos conseguem tornar-se intensos sem nunca perderem a postura que caracteriza as actuações desta altura.
Muitas vezes li, particularmente agora que Sir Christopher Lee morreu, que ele era a cara do terror na altura e que os filmes dele deixavam as crianças noites inteiras sem dormir de medo... Ao ver este filme consigo compreender isso, havia algo na postura dele, no olhar dele, na forma como ele falava e se mexia que o tornou um excelente actor de terror e sobrenatural. Tenho pena de não ter nascido numa altura em que estes filmes eram mais susceptíveis, mas sinto-me feliz de puder ter acompanhado a carreira deste senhor enquanto ele ainda estava vivo, vendo filmes como as sagas do Senhor dos Aneis ou a segunda trilogia da Guerra das Estrelas e até mesmo acompanhando os álbuns de Heavy Metal que este senhor lançou com 89 e 91 anos respectivamente... Ele viveu uma vida equivalente a três ou quatro e com a sua morte o mundo do cinema e da arte está muito, mas muito mesmo, mais vazio.
Drácula: 7.5/10
Em memória de Sir Christopher Lee...